domingo, 18 de agosto de 2013

A IDEIA DA VIOLÊNCIA NO TRABALHO INTERNO



 
Em muitas ocasiões temos falado sobre a violência. E muitas coisas foram ditas relativas ao fato de que as emoções negativas levam à violência. Homens e mulheres que se tornam presas de estados negativos começam, digamos, com autopiedade, que eventualmente reage de uma forma violenta aos eventos da vida.
Assim, temos que entender que no fundo das emoções negativas existe a violência. E como o Trabalho fala tanto sobre a importância de observar e não se identificar com os estados negativos, pode-se entender que o que está realmente dizendo é que temos que superar o homem violento, a mulher violenta, em nós.
Vamos tentar tornar isto o mais claro possível. Cada um de vocês, seja homem ou mulher, tem uma pessoa violenta lá no fundo. A aproximação a essa pessoa é através de sentir-se um pouco negativo. Você começa a sentir-se tratado injustamente – e quem não se sente assim? E deste momento em diante você está em uma estrada de seu país psicológico que leva às favelas da violência.
E é por isso que temos que ser tão cuidadosos, se é que queremos realmente praticar este trabalho, em evitar até que pequenas observações de natureza negativa sejam murmuradas.
Mas a questão é ainda mais profunda. Você pode ser muito polido e de boas maneiras, cuidadoso, boa conversa, aparentemente agradável para as outras pessoas, e ainda assim em seu mundo interior você desgosta, detesta, odeia, não pode suportar.
Falamos recentemente sobre como podemos refrear de ser violentos externamente em público simplesmente porque temos medo de perder nossa reputação ou de estar envolvidos com a polícia, mas uma pessoa assim não está realmente fazendo este trabalho, é um homem mecânico, que se comporta de maneira civilizada externamente.
Porque ele se comporta de maneira civilizada externamente? Há mil e uma coisas que previnem que o homem realmente expresse o que ele pensa. Mencionei o medo de perder a reputação, medo da polícia, e vocês podem acrescentar o resto, como o medo de ser expulso do clube, medo de ser mal falado, etc. Todas essas coisas são limites externos que previnem que a violência subjacente se manifeste abertamente. E ainda assim, internamente, no mundo de nossos pensamentos e sentimentos privados, nos comportamos como pessoas violentas, pré-históricas, odiando, detestando.
Agora, com relação a nós mesmos, em que o trabalho coloca ênfase? Coloca ênfase no homem interior, o qual está conectado com o desenvolvimento do homem essencial. No presente, ele é comparável a uma selva cheia de bestas selvagens, e é exatamente essa selva cheia de bestas selvagens que deve ser colocada em ordem, como Orfeu trazendo a harmonia à selva mitológica, para que qualquer pessoa possa passar por seus pensamentos sem ser dilacerada, ferroada, assassinada.
Quando uma pessoa neste trabalho começa a observar a si mesmo, ou a si mesma, é necessário que esta pessoa observe como ele, ou ela, se comporta exteriormente quando, por assim dizer, ninguém está vendo.
Quando você está só, uma pessoa se torna um pensamento, porque então você está só com seu mundo interior de pensamentos e sentimentos. A questão é como você trata as pessoas neste seu mundo interior onde você pensa que ninguém está olhando, onde você se sente livre para se entregar a cada ódio, desgosto, amargura ou vingança privada.
Mas os Centros Superiores veem apenas este seu mundo interior e o julga por seu estado, e não irão ajuda-lo – e de fato não poderão ajudá-lo até que você comece a purificar esse seu mundo interior que você acredita que ninguém pode ver.
Este é um interessante nível de ser a se alcançar, no qual uma pessoa, mesmo que você não goste dela, pode passar sem ser ferida ou assassinada. Este é o significado real, interno ou esotérico do mandamento “Não matarás”, e garanto que há muito trabalho a ser feito neste mundo interior onde você acredita estar livre de qualquer observação. Assim, você deve chegar a um estágio no qual, quando está só, todas as pessoas que você conhece, goste delas ou não, podem passar por seu mundo interior sem serem atacadas ou esquartejadas. (crítica maliciosa n.t.).
E uma vez mais deve ser dito que este trabalho começa com a auto-observação. Você não pode fazer este trabalho se nunca observou a si mesmo e não sabe o que isso significa. Por exemplo, se você nunca observou que é polido exteriormente e odeia internamente, não pode fazer este trabalho. Você não vê a contradição.
Muitas pessoas que são polidas têm consciência de que são polidas, mas não têm propriamente consciência de que sua polidez é uma máscara para que odeiem livremente as outras pessoas. Só através da auto-observação podem perceber esta camada mais profunda, que tanto contradiz seu comportamento exterior.
Este trabalho é algumas vezes chamado de cristianismo esotérico, razão pela qual é sempre útil ler os Evangelhos à luz deste ensinamento. Não digo para lê-los religiosamente, mas como documentos psicológicos com os quais este trabalho está diretamente conectado. É interessante procurar nos Quatro Evangelhos passagens em que se menciona a importância da auto-observação. Podemos dar um exemplo:
“Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?” (Mateus 7,3)
Vocês vão admitir que este é um exemplo muito bom do que o trabalho diz sobre observar a si mesmo ao invés de ver falhas nos outros. Nesta breve parábola está implícito que você devia realmente começar a observar a si mesmo de forma não crítica, antes de começar a criticar as outras pessoas.
Tudo isso levará a menos violência em você mesmo, em seu homem interior, naquele seu lado que você não aceita realmente em seu presente estado de consciência, mas que tende a projetar nas outras pessoas.
Aqui temos um exercício muito bom no trabalho consciente sobre si mesmo, que na vida é até desnecessário, mas no Trabalho é ensinado constantemente para lembrar-nos de despertar. Pois o homem deve ter algum insight interior, espiritual, para si mesmo, e isto é estar desperto. De outra forma ele estará adormecido ou mesmo morto.

Texto de Maurice Nicoll